Um espaço para discussão de Matriz de Camaragibe

PARA REFLETIR...

Somos o que fazemos, mas somos,
principalmente, o que fazemos para mudar o que somos. (Eduardo Galeano)


quarta-feira, 27 de abril de 2011

Entrevista para Rádio Camaragibe FM 87.9, Um novo jeito de comunicar. Dia 21/04/2011, por ocasião da proximidade da Emancipação Política de Matriz de Camaragibe.

Fizemos no ato da entrevista e repetimos aqui os agradecimentos ao programa Sinteal em Ação, que tem caráter informativo e educativo, que vai ao ar todas as quintas-feiras, das 12:00 as 13:00 horas, sob o comando da professora Ana Gomes e do professor Valdemir, na Camaragibe FM 87.9, Um novo jeito de comunicar. Na seqüência, postamos os principais trechos da entrevista que debateu a situação socioeconômica do povo matrizense, por ocasião das proximidades da Emancipação Política do município, comemorada no dia 24 de Abril.

Ana Gomes: O que lhe levou a estudar a história de Matriz no seu trabalho de conclusão de curso?
Mário Galdino: No programa que nos antecedeu, A voz da Cidadania, nossa amiga Dai, levantou uma questão inerente ao nosso município que é o problema das enchentes, onde alertou a comunidade e as autoridades para o trabalho de prevenção, pois, as chuvas que estão caindo, já começam a preocupar a todos. A última grande enchente, ocorrida em 2000, também foi lembrada pela locutora e este foi o momento em que passei a me interessar pelos estudos da origem de Matriz de Camaragibe, tema que procurei pesquisar durante os quatro anos do nosso curso de História na FAMASUL, em Palmares-PE. O nosso desejo é que todos possam conhecer, através da história, os motivos que levaram a cidade a ser erguida em uma ilha entre alagadiços e entendermos porque estamos sempre nos deparando com os mesmos problemas, em todos os períodos chuvosos e quanto isso influencia nas questões sociais e econômicas da nossa cidade. Então, o nosso trabalho não é completo, está aí para ser contestado ou para receber adesão, mas, o importante é estimular o debate sobre nossa origem, para que possamos despertar o interesse do povo em conhecer sua história. Quando nós não nos interessamos pela nossa própria história, acabamos nos interessando pela dos outros e esquecemos a nossa. Por isso, temos o sonho de que a história de Matriz de Camaragibe ocupe um espaço adequado no currículo escolar do município, pois, como a educação está universalizada, garantimos assim a possibilidade de todos os cidadãos, desde a mais tenra idade, conhecer a história do lugar onde vive.

Ana Gomes: Baseado na sua pesquisa, por que edificaram Matriz na beira do rio, ao invés de construí-la no Alto do Oiteiro, hoje denominado Alto do Cruzeiro?
Mário Galdino: A história do Brasil é marcada pela exploração. O processo de exploração por que passou o Brasil, na época da doação das terras, segundo as descobertas nos estudos que realizamos, tem uma relação forte para que a cidade não se desenvolvesse no Alto do Oiteiro e fosse transferida para um local impróprio. Há pouco mais de trezentos anos, a Capitania de Pernambuco foi invadida pelos holandeses, no mesmo período, Portugal estava sob o domínio da Espanha e como a cana-de-açúcar era o produto comercial mais importante da época (era como se fosse o petróleo nos dias atuais), a Coroa Portuguesa ordenou que, enquanto não se encontrasse ouro aqui no Brasil, a produção de cana-de-açúcar tinha que aumentar para bancar as despesas da Coroa Portuguesa e, conseqüentemente, da Espanha. Ainda tinham os holandeses que invadiram a capital pernambucana, pois, não concordavam com o domínio espanhol a Portugal, então, todo açúcar produzido na colônia, especialmente em Pernambuco na época que aconteceu a doação das terras, sofreu uma tripla exploração. Acredito que nenhuma capitania foi tão explorada ao mesmo tempo como a de Pernambuco naquele período. Para dar conta do recado, os senhores de engenhos, que não contavam com as tecnologias dos nossos dias, só tinham uma alternativa: estender as áreas plantadas, mesmo que para isso precisasse transferir as instalações dos povoados de um lugar para outro, quando estes estivessem se formando em locais mais favoráveis para o cultivo da cana-de-açúcar, neste período não se tratava das questões ecológicas e de meio ambiente como nos dias atuais, com isso, podemos dizer que, pela importância dos engenhos da nossa região, a doação das terras sofreu forte influência do declínio econômico da Coroa Portuguesa. É importante lembrar que nessa época a maioria da nossa população era escrava.

Ana Gomes: O que levou o povo, à época, querer e lutar pela emancipação de Matriz de Camaragibe?
Mário Galdino: A exploração que, historicamente nosso povo foi submetido, está sempre relacionada a estes momentos. Nosso país no período colonial passou pelo menos por três ciclos importantes de profunda exploração. O primeiro foi logo que se deu a invasão dos portugueses, quando da exploração do nosso pau-brasil; o segundo ciclo foi o da cana-de-açúcar, esse bastante significativo para Alagoas, que na época era Pernambuco; o terceiro, quando a cana-de-açúcar entrou em decadência, foi o ciclo do ouro. O que mais caracteriza a exploração nestas fases é que o resultado do esforço daquilo que se produziu, não foi investido em benefício do nosso povo. No caso do ouro, tem um exemplo que gosto muito de contar, que hoje é falado como ditado popular, cuja prática deu origem à expressão santinho ou santinha do pau oco: vem da época da exploração do ouro no Brasil, toneladas de ouro foram contrabandeadas e boa parte desse contrabando foi feito colocando-se o ouro dentro das imagens dos santos de madeira. Os brasileiros não usufruíram nem do pau-brasil, nem do açúcar e, muito menos, do nosso ouro, quer dizer, o país era economicamente viável, mas, a exploração inviabilizava nosso desenvolvimento. A mesma coisa aconteceu com Matriz de Camaragibe, em relação ao Passo de Camaragibe, o povoado tinha auto-suficiência econômica, mas, toda sua economia era explorada pelo município-sede. Essa situação provocou, num grupo de pessoas, o sentimento de querer se libertar do Passo, pois, apesar da importância econômica, Matriz não tinha nenhuma representação política e sua população era completamente esquecida pelos administradores do Passo de Camaragibe. Não vou me ariscar a listar o nome das pessoas que encabeçaram essa luta, mas, eles tinham um representante a quem eu tive o prazer de conhecer, foi ele mesmo que um dia, no Foto do Galdino, apresentou-se a mim dizendo: “com muito orgulho, eu sou Lauro Braga”. Foi ele que simbolizou o êxito da luta pela emancipação, se tornando o primeiro Prefeito de Matriz de Camaragibe.

Ana Gomes: Nos seus estudos, o que você ver como progresso e como atraso em Matriz hoje?
Mário Galdino: Nem tudo está perdido, se nós voltarmos no tempo e lembramos que ha dois anos esta rádio não estava em funcionamento e hoje Matriz possui três emissoras de rádio e uma delas transmitindo na programação um debate com esse enfoque, nos faz acreditar na possibilidade de progresso. Outro sinal de progresso que é importante é a forma como o SINTEAL – Sindicato dos Trabalhadores na Educação de Alagoas e o SINDIGUARDA – Sindicato dos Guardas Municipais de Matriz de Camaragibe, vem atuando em nosso município, essa forma de organização são acontecimentos que nos reportam aos motivos que levaram as lideranças, a mais de cinqüenta anos, iniciarem a luta pela emancipação e que mantém a idéia deles sempre em evidencia. Por outro lado, as gestões que se sucederam, ao longo desses cinqüenta e três anos, tem deixado a desejar e se caracterizado como o principal motivo para o atraso a que estão submetidos os camaragibanos. Costumo dividir em três fases a forma como Matriz foi administrada depois da emancipação, a primeira foi uma fase de estruturação que consolidou o processo e se deu até o último mandato do prefeito Rubem Caetano; a segunda fase foi durante a administração do prefeito Edivanil Cavalcante Navarro, essa foi um governo que propiciou aos camaragibanos um momento onde a gestão municipal procurou resgatar o sentimento de emancipação do nosso povo, não estou dizendo com isso, que foi um mandato perfeito, completo, mas, foi um marco importante que deveria ter seqüência, porém, essa seqüência não aconteceu e, entramos na terceira fase que foi uma fase marcada pelo atraso. O mandato que sucedeu a gestão de Edivanil Navarro deixou quatro meses dos salários do funcionalismo atrasado e as últimas quatro gestões simbolizam um retrocesso para nossa cidade. Apenas para pontuar, o nosso país passou por um momento importante a nível de governo federal: o mandato do penúltimo presidente foi exemplo pro mundo, com reconhecimento da imprensa internacional e o estado de Alagoas e o município de Matriz de Camaragibe se mantiveram completamente fora de sintonia com o governo federal, causando prejuízos a população e aprofundando o atraso. Se nos últimos oito anos os nossos governantes estivessem em sintonia com o governo federal, nós tínhamos em nossa cidade, por exemplo, uma sede do INSS, obras de saneamento básico, mas, a falta de vontade política dos governantes prejudicou diretamente as pessoas que estão próximas a se aposentarem e que já contribuíram muito com a economia do município. Outra coisa importante seria o saneamento básico, que não se faz da noite pro dia, mas, em oito anos dá tempo para se realizar projetos com esses fins e o que é que aconteceu em nosso município? Ao invés de saneamento, numa parceria entre governo estadual e municipal, asfaltaram as principais ruas da cidade, nós não temos nada contra asfaltar, mas, primeiro tem que sanear. Em Matriz o que aconteceu foi uma oficialização do esgoto a céu aberto e todos nós sabemos que mais de 60% dos casos de internação hospitalar tem haver com água mal tradada. Desta forma, além de não priorizar as ações em parceria com o governo federal a gestão municipal, nos últimos dez anos, realizou pouca coisa com recursos próprios, com a ausência dessas obras a qualidade de vida do nosso povo fica a desejar e o atraso lamentavelmente caracterizado.

Ana Gomes: Diante do quadro social em que se encontram, os camaragibanos são realmente emancipados?
Mário Galdino: Vou te dizer duas coisas importantes que alimenta a sensação de que não somos emancipados: a primeira se trata de uma operação da Policia Federal em nosso estado que prendeu vários prefeitos e gestores da nossa região por desvio das verbas da merenda escolar e que no próximo mês esta completando seis anos de impunidade aos acusados, isso é uma coisa muito ruim para nossa sociedade, pois, fatos como este, além do mal que causa a educação em nossa cidade, a certeza da impunidade estimula a repetição do crime, como recentemente aconteceu em outra região do estado, lá o dinheiro desviado foi usado para compra de ração para cachorro em Matriz, todos sabem o destino das verbas desviadas e é nas eleições que o cidadão comum pode se posicionar contra estes fatos, pois, o tempo do julgamento para a justiça é um tempo que se confunde com a impunidade, daí a importância de termos eleições a cada dois anos e o significado do papel de cada um de nós na hora de votar. Outro acontecimento político que vai de encontro ao sentimento dos que ha cinqüenta e três anos se dedicaram a luta pela emancipação, foi a eleição do ex-prefeito de Matriz para prefeito de São Luis de Quitunde, todo mundo sabe que o salário de prefeito não dá para cobrir os custos, por mínimo que seja, de um campanha para prefeito, principalmente num município onde não se tem um trajetória política. Não precisa ser nenhum especialista para perceber que quem arcou com os custos desta aventura foi o povo de Matriz e, na seqüência, veio a eleição de sua filha para deputada estadual, com a qual na última eleição, o povo mostrou toda sua insatisfação, pois, dos mais de dezessete mil eleitores cadastrados em nosso município, apenas três mil e quinhentos votaram na sua reeleição, esse quadro político demonstra, por parte do povo, uma rejeição ao modo como vem sendo governado. Mas, é claro que somos emancipados! Tem uma coisa importante na democracia brasileira que são as eleições que acontece a cada dois anos, tem pessoas que são contrárias, alegando que entre uma eleição e outra o período é muito curto, mas, é nas eleições que exercitamos na prática nossa emancipação, o que precisamos compreender é que cada eleição é uma oportunidade de mudança e, mesmo quando não se tem certeza de acertamos por falta de opção, podemos dizer através do voto que discordamos do modo como estamos sendo governados. Acredito que esta fase está com os dias contados e nós estamos começando uma fase de mudanças e meu desejo é que, além da mudança nos quadros políticos, aconteça também uma mudança na forma de participação da sociedade no acompanhamento dos gestores públicos através, por exemplo, dos conselhos municipais de educação, saúde, da criança e do adolescente e que, em fim, possamos cobrar e ter por parte dos governantes a transparência na utilização das verbas da educação, saúde e em todos os setores da administração pública municipal.